Depois de perambular por dois dias pelo centro de Madrid, era hora de arrumar um lar, uma choupana, uma casa, um apartamento, um chalé ou qualquer lugar para morar. Isso ficou bem claro depois que os turistas começaram a nos jogar algumas moedas.Pode parecer estranho, mas aqui as pessoas alugam os quartos, ou - para evitar o duplo sentido - as habitaciones na maior tranqüilidade. Ou seja, se o apartamento é grande, os donos ou inquilinos alugam os cômodos vazios. Em resumo, teríamos de morar com gente que nunca havíamos visto na vida. Coitados deles.
Entramos nos sites especializados, anotamos o que nos interessava (os mais baratos, digo) e começamos a nossa saga. Na primeira parada, vivia uma brasileira. “Bom sinal”, pensamos. Ledo engano. Numa mistura de português, espanhol e ainda um dialeto de Cuiabá, a senhora nos explicou que moravam poucas pessoas na casa: ela própria, cinco crianças (que àquele momento assistiam ao Cartoon Network no volume Trio Elétrico ), um cachorro (que nos recebeu com aquele agradável abraço erótico na perna) e uma tia velha (que deve ter sido musa inspiradora de Orlando Silva.) Esse público de jogo do Ferrim já estava nos fazendo desistir, mas o golpe de misericórdia veio mesmo quando anfitriã nos apresentou o apartamento. Mostrou a cozinha, a sala e, quando pensávamos que ia falar: “Esta é a despensa”, ela disse: “Este é o quarto.” E ainda comentou: “Um pouco pequeño, né?” Puro eufemismo. Ali só cabia o Nelson Ned. E em pé.
O lar doce lar de uma romena era o destino seguinte. E a visita já não começou bem. Logo no hall do prédio, subiu um cheiro esquisito. (Lembrar do Brasil é bom, mas não da Leste-Oeste.) E o pior: quando a porta do apartamento abriu, percebemos que o odor provinha exatamente dali. A romena nos saudou com um sorriso desfalcado. (Faltavam o Cafu, o Roberto Carlos e o Bebeto mais à frente.) O apartamento, pelo menos, era maior que o anterior, a prisão da Bárbara de Alencar. O problema é que este abrigava toda a galera do mal dos filmes de High School. Para se ter idéia, passou por nós um moleque de uns quinze anos, fumando como uma caipora e com piercing até no olho. Isso nos amendrontou um pouco. O nocaute, porém, aconteceu quando descobrimos a origem do cheiro. A Romena banguela estava dando salsichas para a filhinha recém-nascida. “Ela adora”, falou. Pensamos em oferecer um copo de Quik Morango para completar a refeição sem conservantes.
O terceiro apartamento pertencia a um polonês. Era um senhor de meia idade, sósia do Felipão. Dessa vez, a visita começou diferente. Nós estávamos interessados no apartamento, mas era ele quem fazia as perguntas. “Vocês são marroquinos?”, foi a primeira delas. “Não, não, somos brasileiros”, respondemos. “Ah, bom. Detesto marroquinos”, contestou sem pestanejar. Então, passou a apresentar o apartamento. O lugar era meio sinistro, com as paredes mofadas e uma série de objetos estranhos fazendo a decoração. Num quarto, havia um vídeo-cassete, com toda a coleção de Hitchcock. No outro, uma espada samurai, duas adagas, uma besta, três alabardas, algemas e toda sorte de canivetes. A sala, por fim, trazia um acordeón que devia estar ali para reproduzir a marcha fúnebre ou um CD do Jorge Vercilo, o que, convenhamos, dá na mesma. Nos longos dois minutos que passamos na sucursal da SS nazista, só conseguíamos imaginar a manchete do Diário do Nordeste (e a notinha do El País) no dia seguinte: “2 brasileiros e 56 marroquinos encontrados no freezer de maníaco polonês.”
Hoje, vivemos com um jovem e tranqüilo casal de peruanos. O Michel é fanático por futebol e acompanha todos os campeontados do mundo. Ou seja, não falta assunto entre nós. E a Inês sempre nos ajuda em tarefas extremamente complexas, como lavar roupas ou fritar ovo. Graças a Deus, estamos mais calmos. Mas ainda morremos de medo de dar de cara com o polonês sádico, com a romena nutricionista e, principalmente, com o cachorrinho sapeca da brasileira.

