sábado, 6 de diciembre de 2008

4 lisera em Londres


Se existe uma característica comum aos lisera, esta se chama ousadia. Olha só: o cabra é liso, sem um puto, está na Espanha gastando o que tem, o que não tem e o que pediu emprestado e ainda quer conhecer Londres. Marrapaz, num tô dizendo mesmo. De qualquer forma, vamos lá. Imagina aí uma voz do Hebert Richards: episódio de hoje, 4 lisera em Londres.

Tudo começa ainda no aeroporto. Sem dinheiro para pegar táxi e com um vôo às 6h da manhã, a solução é dormir no terminal aéreo mesmo. Mas por que a gente não escolheu outro horário? Muito simples. Para poder pagar a passagem, tivemos que comprar aqueles vôos low cost. Ou seja: viajamos em um ônibus da São José do Ribamar que tinha asas.

Mas voltando ao aeroporto, vale dizer que o chão frio aqui na Espanha é ainda mais frio. E não adianta procurar lugar: quando se chega ao Pinto Martins de Barajas, as poucas poltronas já estão ocupadas por outros lisos. Pelo menos, tínhamos conosco um recheado, dois danone e a velha coca de 2 litros, o atestado mais conhecido da lisera. Quem nunca tomou uma coca grande com a pizza sem óleo da La Ticiane, na Cidade 2000?

Vencida a etapa aeroporto, vamos ao capítulo avião. O nosso Pici-Unifor alado possuía algumas sutilezas. Poltrona: ali só cabia o Marco Maciel. E se estivesse de regime. Aeromoças: foi a primeira vez que vimos comissárias de bordo feias. Uma era tão gorda que, quando apontou as portas de emergência, temi por nossa segurança. Vai que, Deus livre, acontece alguma coisa, ela resolve sair antes e entala? A outra aeromoça era até bonitinha. Mas foi só abrir o sorriso de tabuleiro de xadrez para constatarmos que se tratava mesmo de uma companhia aérea diferente. Piloto: falou o texto padrão em espanhol e, em seguida, disse, “a parte em inglês eu não sei”. Serviço de bordo: pizza, refrigerante, pães, brioches, croissants. Legal, né? Legal, nada. Nesse tipo de companhia se paga até para ir ao banheiro. E, se for fazer o número dois, é mais caro.

Chegando a Londres, fomos ao resort. Resort, não. Hotel. Hotel, não. Pousada. Tá bom, tá bom, fomos ao albergue. O lugar ficava tão longe que eu juro ter visto por lá a placa “Hope Neighborhood”, ou seja, Conjunto Esperança. (Ainda bem que existe o Google. Sem ele, como é que eu ia escrever “Neighborhood” certo?) Entrando no casarão digno de Transilvânia, encontramos um cenário nada animador. Dozes camas compunham o nosso quarto. Entre os hóspedes: um alemão tão lento que daria inveja no Rubinho, um italiano sósia do Roberto Begnini e um hippie sem nacionalidade, cercado de livros do Nietzsche. (Outra vez, obrigado, Google). O banheiro era comunitário. E, ao tomar banho de chinela, tivemos partes das havaianas corroídas.

No primeiro passeio, encontramos logo nossos outros dois companheiros lisos: Fernando, de alcunha “olho de guaxinim”, e Rodrigo, vulgo “meio palmo”. Foi bom reencontrar a nata da lisera cearense, até porque, há alguns meses, metade da turma estava pegando a Topic 55 em direção ao Monte Castelo. Depois dos abraços e dos cordiais: “Aí dentu”, “Um bosta desse”, “Ieeeeei”, “Teu boga, baitola”, olhamos ao nosso redor com aquela emoção de matuto que tira foto no Iguatemi. Vimos a London Eye, a maior roda gigante do mundo, que fez o olho do Fernando parecer uma bila. Do outro lado, estava o Big Ben, que eu pensava que tinha sido aquela explosão que gerou o mundo, mas que, na verdade, é o parlamento inglês.

Como os Beatles (ou os Trapalhões), éramos quatro e estávamos em Londres. E a aventura estava apenas começando.

domingo, 2 de noviembre de 2008

O primeiro passeio turístico


Depois de dias comendo o pão que o coisa ruim amassou, pisou, cuspiu e passou no sovaco suado, conseguimos um lugar para morar. Pelo que deu para perceber, é como se a gente estivesse morando no Conjunto Esperança ou no Jereissati II de Madri. Mas sem aquela violência toda. Ou quase nenhuma. A última vez que acionaram a polícia foi para apartar duas garotinhas que se engalfinhavam porque uma pregou meleca do nariz no cabelo da outra.

Mas nem podia ser diferente: a grande maioria da população é formada por senhores e senhoras, sempre muito educados e solícitos. Imagina se vai acontecer alguma coisa?! Já pensou que cena ridícula, um velhinho de 92 anos, todo se tremendo, apontando um revólver pra alguém e dizendo: "Pa-pa-passa o celular, meu filho... A bolsa, não. É muito pesada e eu quero evitar a fadiga..." Todo dia a gente desce para jogar uma partidinha de dama, ludo, gamão. Nunca aconteceu nada.

Agora que estávamos devidamente instalados e inseridos socialmente, resolvemos ser um pouco turistas e conhecer a cultura, a arte e a história do país em que estávamos morando. Para fazer tudo isso, guardávamos no bolso do casaco surrado pouco mais do que 15 euros, o papel de um Malukinha de Morango e uma figurinha amassada do Biro-Biro. Mas como saco vazio não fica de pé, resolvemos almoçar antes para só então seguir caminho. Atraídos pela logomarca, paramos no "Pollito", um restaurante self service bem simples, porém aconchegante. Mais à frente, podia-se escolher vários tipos de guarnição. "Olha ali... Um arrozinho com passas agora, hein? Hummmmm". Mas esse desejo logo foi desfeito pelo garçom, que abanou freneticamente a comida com uma das mãos, até que a porção ficasse branca como neve. Ou as passas da Espanha sabem voar ou você acertou na mosca o que realmente era aquilo.

Foi o jeito, então, encarar um prato russo, chamado "arrozcovo" - vulgo bife do oião - antes de seguir para o centro. A viagem é muito longa. Dá para cantar umas 4, 5 vezes, tranqüilamente, "Faroeste Cabloco". Isso se você for retardado. Caso contrário, um bom livro já resolve. Finalmente, chegamos. Munidos de câmera digital no pescoço, bermuda, camisa florida de botão, chapéu, tênis com a meia no meio da canela e milhares de folhetos turísticos, resolvemos procurar um lugar que nos proporcionasse um engrandecimento intelectual condizente com a nossa sede de conhecimento.

Gesticulando mais do que dançarina de pagode no refrão, tentamos estabelecer contato usando o nosso espanhol de microondas, cheio de frases prontas: "Hola, por favor: ¿donde hay museos, pintores, esculturas?" O homem respondeu como se estivesse narrando na Verdinha 810 AM um contra-ataque do Ceará: "Sigue adelante, después de la estatua vas a tener obras de Miró y Dalí." A nossa sorte é que estudamos bastante espanhol antes de viajar e entendemos tudo direitinho: "Tsc, muito fácil. Vai adiante e sobe na estátua que dá pra ver melhor dali..."

Pois não é que deu certo? Em cinco minutos, estávamos onde, onde? Museo del Prado? Parque del Retiro? Reína Sofia? Huuuú, na trave. No Santiago Bernabéu, o estádio do Real Madrid. Isso mesmo. Gastamos nossos últimos euros para conhecer o local onde os maiores craques de futebol do mundo jogam, treinam, tomam banho, fazem número um, número dois etc. E valeu cada centavo. Conhecemos a sala de troféus, onde estão expostas as maiores conquistas do time, a foto de todos os jogadores que marcaram época. Tem o Roberto Carlos, no tempo em que ele ainda não arrumava o meião no meio da partida; o Ronaldo, o Robinho, o Cicinho, o Júlio Baptista. E pra conversa não ficar chata para a mulherada, tinha o David Beckham também. Por favor, nada de gritinhos histéricos.

Conhecemos ainda a arquibancada, as cabines de transmissão. E olhem só: é possível bater fotos sentado no banco de reservas dos próprios jogadores, à beira do tapete verde. Igualzinho aos nossos estádios. Uma vez a gente pediu ao Seu Tavares, vigia do Castelão, para bater uma foto no gramado. "Claro, meu fi, pode. Se você souber onde é que tem um."

Mas bem que estávamos estranhando tantos agrados. Na saída, há um loja exclusiva do time, para pegar os bestas no calor da emoção. Lá, pode-se encontrar todos os tipos de mimos e adereços com a logomarca do clube: camisas personalizadas, chaveiros, imãs de geladeira, canetas. Tinha até uma cueca com o símbolo do Real e uns dizeres: "Vai que é tua, Castillas (o goleiro espanhol), segura duas bolas ao mesmo tempo!"

O cartão de crédito estava quase pulando do bolso, doido para se esfregar na maquininha espanhola, que piscava para ele. No final, conseguimos sair de lá sem gastar nada. Milagre de São João? São José? São Sebastião? Não, Não. São dois lisos, isso sim. É que, se comprássemos um Big Big, teríamos que voltar pra casa à pé. Deu saudade do tempo em que o trocador perguntava "inteira ou meia?" E a gente mostrava a carteirinha.


Um plus extra a mais para você:

- Visita virtual à sala de troféus:
http://www.youtube.com/watch?v=_khGcdneNbM

- Visita virtual ao banheiro do estádio:
http://www.youtube.com/watch?v=jApPrrPg7Kk

- Mais fotos do passeio:
http://www.flickr.com/photos/31579939@N04/page7/

miércoles, 15 de octubre de 2008

A Moradia

Depois de perambular por dois dias pelo centro de Madrid, era hora de arrumar um lar, uma choupana, uma casa, um apartamento, um chalé ou qualquer lugar para morar. Isso ficou bem claro depois que os turistas começaram a nos jogar algumas moedas.

Pode parecer estranho, mas aqui as pessoas alugam os quartos, ou - para evitar o duplo sentido - as habitaciones na maior tranqüilidade. Ou seja, se o apartamento é grande, os donos ou inquilinos alugam os cômodos vazios. Em resumo, teríamos de morar com gente que nunca havíamos visto na vida. Coitados deles.

Entramos nos sites especializados, anotamos o que nos interessava (os mais baratos, digo) e começamos a nossa saga. Na primeira parada, vivia uma brasileira. “Bom sinal”, pensamos. Ledo engano. Numa mistura de português, espanhol e ainda um dialeto de Cuiabá, a senhora nos explicou que moravam poucas pessoas na casa: ela própria, cinco crianças (que àquele momento assistiam ao Cartoon Network no volume Trio Elétrico ), um cachorro (que nos recebeu com aquele agradável abraço erótico na perna) e uma tia velha (que deve ter sido musa inspiradora de Orlando Silva.) Esse público de jogo do Ferrim já estava nos fazendo desistir, mas o golpe de misericórdia veio mesmo quando anfitriã nos apresentou o apartamento. Mostrou a cozinha, a sala e, quando pensávamos que ia falar: “Esta é a despensa”, ela disse: “Este é o quarto.” E ainda comentou: “Um pouco pequeño, né?” Puro eufemismo. Ali só cabia o Nelson Ned. E em pé.

O lar doce lar de uma romena era o destino seguinte. E a visita já não começou bem. Logo no hall do prédio, subiu um cheiro esquisito. (Lembrar do Brasil é bom, mas não da Leste-Oeste.) E o pior: quando a porta do apartamento abriu, percebemos que o odor provinha exatamente dali. A romena nos saudou com um sorriso desfalcado. (Faltavam o Cafu, o Roberto Carlos e o Bebeto mais à frente.) O apartamento, pelo menos, era maior que o anterior, a prisão da Bárbara de Alencar. O problema é que este abrigava toda a galera do mal dos filmes de High School. Para se ter idéia, passou por nós um moleque de uns quinze anos, fumando como uma caipora e com piercing até no olho. Isso nos amendrontou um pouco. O nocaute, porém, aconteceu quando descobrimos a origem do cheiro. A Romena banguela estava dando salsichas para a filhinha recém-nascida. “Ela adora”, falou. Pensamos em oferecer um copo de Quik Morango para completar a refeição sem conservantes.

O terceiro apartamento pertencia a um polonês. Era um senhor de meia idade, sósia do Felipão. Dessa vez, a visita começou diferente. Nós estávamos interessados no apartamento, mas era ele quem fazia as perguntas. “Vocês são marroquinos?”, foi a primeira delas. “Não, não, somos brasileiros”, respondemos. “Ah, bom. Detesto marroquinos”, contestou sem pestanejar. Então, passou a apresentar o apartamento. O lugar era meio sinistro, com as paredes mofadas e uma série de objetos estranhos fazendo a decoração. Num quarto, havia um vídeo-cassete, com toda a coleção de Hitchcock. No outro, uma espada samurai, duas adagas, uma besta, três alabardas, algemas e toda sorte de canivetes. A sala, por fim, trazia um acordeón que devia estar ali para reproduzir a marcha fúnebre ou um CD do Jorge Vercilo, o que, convenhamos, dá na mesma. Nos longos dois minutos que passamos na sucursal da SS nazista, só conseguíamos imaginar a manchete do Diário do Nordeste (e a notinha do El País) no dia seguinte: “2 brasileiros e 56 marroquinos encontrados no freezer de maníaco polonês.”

Hoje, vivemos com um jovem e tranqüilo casal de peruanos. O Michel é fanático por futebol e acompanha todos os campeontados do mundo. Ou seja, não falta assunto entre nós. E a Inês sempre nos ajuda em tarefas extremamente complexas, como lavar roupas ou fritar ovo. Graças a Deus, estamos mais calmos. Mas ainda morremos de medo de dar de cara com o polonês sádico, com a romena nutricionista e, principalmente, com o cachorrinho sapeca da brasileira.

jueves, 9 de octubre de 2008

O Hostal


A sensação de ficar em um hostal no centro de Madri é a mesma de quem se hospeda em um casarão mal-assombrado. E o primeiro susto é logo na entrada, com a tabela de preços. Por um quarto duplo, sem banheiro e sem direito a café da manhã, pagamos 55 euros por dia. A gente não sabia se chorava de saudade de quem ficou no Brasil ou das moedas que estavam indo embora.

Quando abrimos a porta do quarto e escutamos o ranger da fechadura, aquele típico "reeeeeeeeeeeeeeeeeenc!", a fita da memória deu uma rebobinada até o dia em que, pela internet, fizemos a reserva. E só então constatamos o que é bastante óbvio: os proprietários desses estabelecimentos utilizam a nossa mesma tática de msn ou profile do Orkut: dão aquela caprichada nas fotos que são publicadas no site. E foi o jeito desfazer as malas por lá. Se a gente pode, por que eles não?

Acontece que a maioria desses hostais fica localizada bem no centro histórico de Madri, em prédios cuja construção remonta ao início do século passado, idos de mil, novecentos e vovó começou a paquerar, ou até antes disso. Por dentro, possuem inúmeros cômodos e alguns banheiros, que se distribuem por corredores enormes. No Hostal Luz, entre as portas, podem ser vistos muitos quadros. Tinha até uma pintura com a inscrição embaixo: Van Gogh. E depois ficam dizendo que ele nunca conseguiu vender nenhuma obra. Obviamente, devia ser tão verdadeira quanto as fotos do hostal.

As pessoas que trabalham lá também estão longe de ser uma novidade tecnológica. A D. Concha, que é uma espécie de gerente ou governanta do castelo, já está quase nos acréscimos, com o juiz correndo para pedir a bola no meio de campo. Coitada, foi quem melhor nos recebeu. Principalmente, quando dissemos de onde vínhamos: "Ah, eu adoro o Brasil. Tá crescendo muito, né? Esse ministro, o Rui Barbosa, é mesmo danado." Sua torcida e seu pensamento positivo nos incentivaram bastante a conseguir um bom lugar para ficar. No final, até quisemos retribuir tamanha gentileza, convidando-a para um passeio ao museu Reina Sofía (não percam os próximos capítulos). Mas a bichinha ficou com medo de ser confundida com uma peça e nunca mais poder sair de lá. Uma pena.

Nosso quarto não era muito grande e, por um erro de cálculo, ficou menor ainda. Em vez de duas camas, colocaram três. A do meio escondia uma velha lareira e todas ficavam de frente para um guarda-roupa, que deve ter pertencido a um desses Felipes aí que foram reis da Espanha. Tinha também uma varanda, que dava para a movimentada Calle De las Fuentes, bem no miolo da cidade. E em cima da cabeceira da cama do meio, se equilibrava um quadro (pra variar) com o rosto de uma mulher pintado. Eu juro que vi os olhos dela se mexerem, como se acompanhassem a nossa movimentação. Mais, inclusive: ouvi até um "fiu-fiu" quando estava trocando de roupa. É a mais pura verdade. Ah, e para lembrar que estávamos no século XXI, uma televisão de 14" se espremia em um cantinho.

Sem dúvidas, a primeira noite foi a pior de todas. Qualquer coisa que nos lembrasse o Brasil era motivo de choro e saudade. Qualquer coisa mesmo. A volta para casa na Topic 55 lotada: buáááááaááááá! Trabalhar até mais tarde no domingo: buááááááááááá. É uma mistura de sentimentos e sensações difícil de explicar. Opa, mas espera aí: aquele remexido no estômago, aquela bateria da Portela no bucho, anunciando a passagem dos carros alegóricos, eu conhecia muito bem. O filé de ternera - ou os ingredientes adicionais (ver post "O Jantar") - mostrou que não estava para brincadeiras. Naquela noite, a Espanha ganharia mais um rei.

Sem entrar em muitos detalhes sobre o episódio - por motivos óbvios e porque talvez você esteja comendo agora - os europeus têm umas manias meio esquisitas. O banheiro, por exemplo: sempre tem uma banheira dentro do box, onde, normalmente, o chuveiro reina absoluto. O lavatório deve ser feito em cima da própria, usando uma ducha. Aí fica aquela piscininha de sabão com seroto, não muito higiênica, quase cobrindo o pé.

Eles bebem água da torneira sem filtrar e o pior de tudo: no banheiro, também não tem aquele cestinho para colocar o papel que nós utilizamos depois de... Pois é, você entendeu. E como é que faz? Bem, lá tinha uma janelinha que eu abria e rezava para não cair na cabeça de ninguém que estivesse passando na rua. Até que o Marcel comentou, no penúltimo dia: "Tu viu que estranho? A gente tem que jogar o papel no aparelho sanitário e dar descarga. Meio nojento, isso..." "Tá calor, hoje, né?" Eu respondi.

martes, 7 de octubre de 2008

O jantar


A primeira semana passou voando, assim como os euros nas nossas carteiras. E olha que fizemos de tudo para economizar. Quer dizer, de tudo não porque ainda não vendemos os nossos princípios (eles valem muito pouco), mas de quase tudo.

Na primeira noite, saímos do hostal para dar uma volta e conhecer os nossos novos vizinhos. O mini city tour começou com um roteiro bem definido: “Macho, anda aí.” E andamos. Era tanta gente estranha na rua – franceses, ingleses, chineses, italianos, romenos, bósnio-herzegovinos, chechenos, honulululenses, mongóis, ou seja, Marcel e Pádua – que parecíamos estar na Torre de Babel. Aquela da Bíblia, e não a novela da Globo.

Finalmente chegamos à Puerta del Sol, que deve ter sido algo importante, dado o tamanho do troço. A idéia inicial era provar a legítima paella espanhola. Plano imediatamente cancelado ao nos depararmos com o preço da iguaria ibérica. “Égua, macho, dá pra comer umas cinco paneladas na Feira dos Pássaros. E ainda ganha o suco de manga.” Refeitos do susto que o preço e o ronco dos nossos estômagos nos fizeram passar, fomos procurar algo mais baratinho.

A melhor opção se revelou um restaurante turco. Na verdade, não entendemos nada do cardápio, mas a parte dos preços estava uma delícia. Pedimos, então, uma espécie de pizza fechada de ternera, o velho e bom carneiro. Até aí tudo bem. Só não sabíamos que era preparada por um cavalo. O rapaz assoava o nariz, coçava…err o pé, varria o restaurante e, depois, pegava na comida! O cabra (o servente, e não o recheio do pão) ainda teve a cara de pau de perguntar se queríamos molho. A vontade era de dizer: “Mais do que esses todos que tu já colocou, macho?” Se não fosse a fome – e o preço, lógico – não teríamos devorado o sanduba de Istambul (ou seria, Constantinopla?) em um tempo exato de 5 segundos e 26 milésimos.

Estávamos de barriga cheia, mas ainda houve tempo de escutar uma pérola. Pádua, com seu inglês afinadíssimo, incorporou o Mr. Fisk e traduziu perfeitamente os dizeres de um aviso colado à parede do higiênico estabelecimento. Ali se lia para se ter cuidado com os pickpockets, os descuidistas da área (sim, isso existe por aqui também). Mas o intérprete da ONU decodificou a mensagem com a seguinte frase: “Cara, ali tá dizendo para a gente guardar a bandeja.” De onde ele tirou isso, meu Deus? Chegamos à conclusão que era uma conseqüência do cansaço. E fomos dormir.

domingo, 5 de octubre de 2008

A Chegada


Finalmente, depois de quase duas semanas "viviendo" nos rincões de Cervantes, Almodóvar, Picasso, Julio e Enrique Iglesias, podemos nos dar o luxo de recostar os glúteos em uma poltrona para escrever aos nossos familiares e amigos que ficaram no Brasil. Se não o fizemos antes, nossas sinceras desculpas. Mas é que a jornada já começou ao chegarmos a Barajas, o aeroporto de Madri.

Preparar, todos em suas posições, valendo! De lá até o hostal - que nada mais é do que um grande apartamento convertido em hotel - foi uma verdadeira prova de força, garra, determinação, coragem e todos os outros adjetivos que costumam aparecer nos livros do Augusto Cury e nas palestras do Paulo Angelim. Prevendo a crise cambial que tem elevado o Euro a níveis estratosféricos em relação ao nosso pobre, mas limpinho Real, e morrendo de pena de dar quarenta mangos em uma corrida de táxi, optamos pelo metrô. Hoje, vendo a cédula de vinte sã e salva na minha carteira, tenho a convicção de que foi a melhor escolha, visto que, pelo subsolo, gastaríamos apenas 1 euro cada um.

Madri é uma cidade muito bem comunicada, com dezenas de estações espalhadas pela cidade.
Com apenas um bilhete, pode-se ir a quase todos os lugares. Com exceção de algumas regiões, como a sul, onde estamos atualmente. Para ir daqui ao centro, por exemplo, deve-se comprar um tíquete “combinado”. Porque o Parque de los Estados, onde moramos, está ligado à outra linha, a Metrosur, que tem como ponto comum à linha principal a estação Puerta del Sur. Que, por sua vez, multiplicada à raiz quadrada de 68,41 é igual ao logarítmo de 52 vezes o nox do hidrogênio. Explicando assim, parece ser complicado. Mas, na prática, é bem tranqüilo.

Apesar disso, chegar à “Ópera”, a estação mais próxima do hostal, não foi nada fácil. Completamente cheios de sacolas e de malas que pareciam submetidas à gravidade de Marte, saímos pulando de estação em estação, subindo e descendo escadas, abrindo e fechando portas, enfiando bilhete de um lado e pegando do outro. E quando essa maratona parecia ter chegado ao fim, o tiro de misericórdia. Apareceu o chefão da última fase que teríamos de vencer, já quase sem nenhum life ou continue: a droga do Hostal Luz ficava no terceiro andar e não tinha elevador. Com a coragem de um baiano num domingo chuvoso de manhã, subimos e fomos recebidos pela simpática proprietária, D. Teresa.

Hola, p. nenhuma. A primeira coisa que dissemos para aquela senhora de cabelos e buço loiros foi "un vaso de agua, por favor". Ela, que já deve ter visto a mesma cena se repetir com todas as etnias do mundo, apenas sorriu e pegou uma garrafa de 1,5L do precioso líquido, para saciar dois quase desfalecidos. À medida em que era aberto o lacre da tampa e o conteúdo tomava a forma do continente - um copinho de acrílico, com a logomarca em auto-relevo no fundo - eu ia calculando e convertendo quanto nos seria cobrado por aquela gentileza toda. "Um? Dois euros?" "Mais de três não pago nem a pau". Isso ainda assombrado pelas lendas urbanas que se conta no Brasil. Entre as quais a de que, na Europa, até uma simples garrafa de água custa um absuuuurdo. A verdade é que nem tanto, nem tão pouco.

No fim das contas, nada nos foi reclamado, além do que acertamos pela internet. Refeitos, banhados e devidamente alimentados - "comidos" não pegaria nada bem nessa frase - nosso objetivo passara a ser outro: conseguir um lugar decente, dali até domingo, para morar. Mal sabíamos que a brincadeira estava apenas começando.