martes, 10 de noviembre de 2009

A fábula do tatu


A fauna brasileira é tão rica que um mesmo animal pode render dois bons adágios. O tatu, por exemplo, nos deu o popular: “Em toca de paca, tatu caminha dentro?”, muito utilizado por tios em festa de aniversário, e o menos conhecido: “Quem nasce pra tatu morre cavando”, criado ou, pelo menos, popularizado por Moésio Fiuza, amigo, ex-colega de trabalho e filósofo das frases curtas.

Explicando melhor: ao voltar a Madri, não queríamos mais dividir apartamento com ingleses (são gente boa, mas deixam o banheiro pura chá), espanhóis (não são gente boa, ponto) ou peruanos (Peru dá margem a trocadilhos). Dessa vez, desejávamos um ap só nosso para poder, em bom cearensês, se amostrar dizendo que alugamos um apartamento na Europa.

É aí que entra o ditado do Moésio.

Alugar apartamento aqui não é tão simples. (Se você acompanha o blog desde o início - num tem o que fazer, não? - percebeu que é a segunda vez que escrevemos sobre o tema.) E, para dois lisos, a vida ainda é bem mais complicada. Queríamos um ap bem localizado, grande, barato e por curta temporada. Complicado. Praticamente impossível. Citando o Seu Pádua, um apartamento assim é mais difícil que ver orelha de freira. Porém, fora dinheiro, tempo, dignidade e saúde, o que mais tínhamos a perder?

Capítulo 1 - Apartamento
Após duas semanas dormindo na casa de amigos e comendo Chilitos no café, almoço, jantar e ceia, pensávamos haver encontrado o apartamento dos sonhos. A corretora, Gemma, uma gordinha que nem precisa de apelido, já que seu nome faz alusão ao produto galináceo, nos ligou entusiasmada. É ótimo, bem amplo. Clara, quer dizer, claro que era mentira. O lugar era tão pequeno que, quando ela queria entrar, nós tínhamos de sair. Desculpe o trocadilho, Gemma, mas aquele apartamento era um ovo.
Capítulo 2 - Internet
Após encontrar o apartamento, o perrengue seguinte atendia pelo nome de internet. Foi quando constatamos que, em pelo menos dois quesitos, o Ceará deixa Madri no chinelo: produção de castanhas de caju e qualidade dos serviços em geral. Nem nos tempos de Baydenet, Fortalnet e Quitinet era tão difícil instalar a rede. Até contratamos o serviço, mas nada de a instalação chegar. Foi um tal de “num dá”, “tá faltando um cabo”, “vai chegar uma peça de São Paulo”, que passamos quase um mês sem conexão. E haja de o vizinho equatoriano, proprietário de uma lan house, comprar Ferrari e fazer festa de cumpleaños da filha às nossas custas. A situação só foi resolvida aos 45 do segundo tempo, graças ao MacGyver de Caracas, um venezuelano desenrolado que, quebra daqui, puxa dali, conseguiu instalar o equipamento.

Capítulo 3 - Luz
Paz, tranqüilidade? Nada. Tão somente um dia depois da instalação da internet, fomos acordados por batidas na porta que recordavam o show da Timbalada, no tempo em que o Xexéu ainda não era cliente do Fernandinho Beira-Mar. Abrimos. Um funcionário da Coelce de Madri, um cabra mais grosso que cano de passar tolete, avisava que nossa energia estava sendo cortada, em virtude de uma dívida dos antigos inquilinos. Resultado, todo um fim de semana sem luz, chuveiro e fogão elétricos, televisão e, claro, internet. As velas, ainda hoje espalhadas pela casa, são a prova viva de que o aforismo do Moésio é verdadeiro. Tatu só toma na rima.