jueves, 5 de febrero de 2009

O réveillon chinês


Uma das primeiras surpresas que tivemos ao chegar à Espanha - isso muito antes de nossa completa europeização, quando ainda levávamos o resto da Coca de 2L do restaurante para a casa - foi a quantidade de chineses que habitam esse país. Parece que com o fim da TV Manchete e daqueles seriados do tipo Changeman, Jaspion, Lion Man, Jiban, Jiraya, todos os atores vieram tentar a sorte por aqui. Ah, claro, os seriados eram japoneses. Mas até parece que você saberia distinguir um do outro. A gente, sim.

Os chineses são empreendedores natos. Atualmente, representam a maior economia emergente do mundo, com destaque para a exportação de despertadores à pilha, pistolas coloridas de plástico, carrinhos à fricção, facas Ginsu e, claro, exportação deles mesmos. Aqui em Madrid, por exemplo, estão por toda parte, sempre atentos às oportunidades de ganhar um "eulozinho" que seja. Se começa a chover, saem como tanajuras, aos montes, gritando "Paláguas, paláguas! Un eulo, paláguas! " (que é o nosso guarda-chuva). Se é festa, latinhas de cerveja já estão na mão. Agora não nos perguntem porque no desfile dos Reis Magos, a festa religiosa mais importante da Espanha, eles tentavam vender para as criancinhas católicas gigolettes com chifres de diabinho que acendiam e apagavam freneticamente. Ou eles pensam que mago, bruxo e capeta são a mesma coisa ou foi uma liquidação das sobras do Halloween.

Apesar da hegemonia chinesa nas lojinhas de alimentação, mais conhecidas no Ceará como budega ou mercadim, é nos restaurantes que eles fazem sucesso por aqui. O sabor da comida não é muito melhor do que o baião com maminha da BR e o atendimento é quase tão bom quanto o do Cabana, no Icaraí. Mas os preços, hummmmmm, esses valem a pena. Bem, pelo menos essa era a idéia que tínhamos antes de uma fatídica noite de domingo.

Tomaru Nubogah, uma chinesa da nossa sala que, para não fugir às origens, é um verdadeiro dragão, nos convidou para comemorarmos todos juntos a entrada do ano novo chinês em um restaurante, claro, chino também. "Uh, na hora! Vamo encher o bucho por uma merreca!", pensamos. Mas os problemas começaram logo na entrada: a versão oriental do seu Lunga, o gerente, olhou as nossas roupas, pediu perdão porque estava sem trocado e mandou a gente vazar, cair fora, dar o pira ou, em bom português, capar o gato.

Antes tivéssemos ido. Não foi preciso nem ver o cardápio para saber o tamanho do estrago que estava por vir. Talheres que brilhavam mais do que catarro em parede; copos do mais puro cristal e, num cantinho, aquela conhecida placa "Aceitamos todos os cartões de crédito". Só faltou o complemento: "Você vai precisar". Daí em diante, não tivemos muito o que fazer: encaramos uma sequência de pratos exóticos de causar inveja à Claudete Troiano, Ana Maria Braga, Indiana Jones e Crocodilo Dundee: guisado de gia, sopa de calango, língua de guabiru, tripa de soim, besouro do cão e, por falar nisso, um poodle e dois yorkshires. Nem no Discovery Channel tinha aparecido tanto animal diferente.

"Mais alguma coisa, senhores?" Antes que a gente pedisse um advogado ou esponja e sabão para lavar pratos ou, ainda, cinquentinha emprestado, a conta, que mais parecia um rolo de papel higiênico, já estava sobre a mesa. Resultado da brincadeira: quase mil reais, divididos entre alguns coitados que não continham as lágrimas ao ver o crupié, digo, o garçom, recolhendo o vil metal. Esqueceram de nos avisar que, no réveillon chinês, a contagem regressiva é um pouco diferente: é o nosso dinheiro que vai diminuindo até chegar a zero.