jueves, 4 de junio de 2009

A conta, minha joia.


No Brasil, a gente nem ligava muito. Estamos em crise? Sério? Outra grande novidade: se você rodar o disco da Xuxa de trás para frente, aparece uma mensagem do capeta. E o boneco do Fofão vem com uma espada dentro. Quando um país vive na pindaíba, parece que a tendência é se acostumar. Mas aqui é diferente. Depois de experimentar duas décadas de crescimento e bem-estar, chegou a hora de os espanhóis apertarem o cinto. De fazer torrada com pão de ontem, remendar havaianas com clipe, colocar pilha na geladeira, água no xampu, etc.

Mesmo sendo craques nessas técnicas infalíveis, também sentimos o impacto, ou melhor, a lapada no já combalido bolso e partimos em busca de emprego. A primeira tentativa veio da própria universidade. Uma amiga nos ofereceu um estágio na churrascaria do tio dela. Imaginando as talhas de picanha se desvanecendo candidamente sobre o prato e, em seguida, repousando no nosso estômago, respondemos: “É um sonho de criança. Quando éramos pequenos, enquanto nossos amigos queriam ser astronauta, jogador de futebol, bombeiro, nós estávamos lá, servindo Toddynho em copo de chopp. E é para trabalhar de garçom? Caramba, o destino tem mesmo dessas coisas.”

Horas depois de decidir na porrinha quem se candidataria à vaga, eu estava frente a frente com o gerente. “O senhor quer que eu cite dois defeitos meus?” Fui muito sincero: “olha – com a compenetração do Cid Moreira no banheiro - confesso: sou uma pessoa extremamente perfeccionista, isso chega até a irritar um pouco. E também não consigo ficar parado um só minuto, estou sempre procurando algo para fazer, coisas fora do lugar... Espero que isso não me comprometa.”

Como já dizia Schopenhouer, bobeou, a gente pimba: fiquei com a vaga em um rodízio de carne à brasileira. Às vezes, o mundo é como um frango no microondas: dá voltas. Um dia comendo ovo e, no outro, com filé a meio palmo do nariz. Mas o trabalho não era fácil. Para quem não sabe, entre os garçons existe uma hierarquia. Iniciantes começam levando linguiça. Calma, calma, explico melhor: só podem levar linguiça às mesas. Depois de muito tempo é que conseguem o brevê para conduzir maminha, cupim e por aí vai. Saibam que a honra de desfilar com a suculenta picanha, ao som de “Pissit! Aqui, amigão”, é resultado de muito esforço e suor.

Outro detalhe interessante é que eles colocam nome nas facas de corte. “Ô, Aderbal, pega uma faca aí pro rapaz novo. Pega a Steve”. Então, eu disse: “Steve? Legal! Jobs? Martin? Seagal?” E ele: “não, Stevie Wonder”. A verdade é que minha faca era tão cega que não cortava nem manteiga fora da geladeira em Sobral. O que, por um lado, foi bom. Não fosse isso, certamente teria sobrado um mindinho ou um fura-bolo em meio às linguiças. Mas, por outro, foi um desastre: uma costelinha de porco rebelde, depois de só soltar o espeto a muito custo, besuntou uma bolsa Louis Vuitton de uma madame. A única coisa que consegui dizer na hora foi: “É, senhora, parece que o bicho ainda está vivo.”

Para fechar com chave de ouro o final de semana de intensa labuta, um senhor pediu um pedaço de lombo ibérico. Olhando para a churrasqueira, senti-me mais ou menos como um daltônico tentando diferenciar a bandeira do Náutico da palmeirense. Peguei o primeiro espeto que vi na minha frente. E haja o cliente dizer que aquilo não era lombo ibérico de jeito nenhum. Isso não é lombo. É lombo. Não é lombo. É lombo. Não é, não é e não é! E eu dizia: "é sim, é sim, é sim. Lá, lá, lá.” Mas aí o clima esquentou. A esposa do cliente, que até então permanecia inerte à querela, perdeu a paciência: “Você vai mesmo teimar com ele?! O rapaz trabalha aqui todo dia, Gervásio. Sabe o que está fazendo.”

Essa foi por pouco. Antes que o gerente chamasse a polícia, ou pior, o serviço de extradição, pedi as contas. O melhor disso tudo é que não faço mais feio nos churrascos do Icaraí. E, por falar em praia, o forno ainda me rendeu um bronze que faria o Kadu Moliterno morrer de inveja.